Frase célebre

"De poucas partidas aprendi tanto como da maioria de minhas derrotas." (J. R. Capablanca, ex-campeão mundial)

domingo, 5 de setembro de 2010

Por que estudar xadrez?


(Relato de Garry Kasparov, ex-campeão mundial, considerado por muitos o melhor enxadrista de todos os tempos)

  
          A proposta de revista Sport in the URSS, de publicar uma série de lições minhas, para os seus leitores, pegou-me um pouco de surpresa, porque eu mesmo ainda estou estudando as sutilezas do Xadrez. Depois de pensar um pouco, eu resolvi que, escrever a respeito da minha compreensão e da minha interpretação, dos fundamentos do Xadrez, também seria útil para mim. Eu sou um apaixonado pelo Xadrez; esta paixão já dura muitos anos e é para sempre. Eu estou sempre estudando Xadrez e estudando minunciosamente. Mesmo quando eu analiso aquilo que já fiz e traço planos para o futuro, não consigo deixar de me impressionar diante da inesgotabilidade do Xadrez e de tornar-me, cada vez mais convencido, de sua imprevisibilidade. Veja por você mesmo: já foram disputadas milhões de partidas. E milhares de livros foram escritos, sobre vários aspectos do jogo. E assim mesmo, não existe um método ou uma fórmula capaz de garantir a vitória. Não há critérios, matematicamente comprovados, para avaliar-se sequer, um lance, quanto mais uma posição. Os experts em Xadrez não têm dúvida, de que, na maioria das posições, há mais de uma continuação recomendável e, cada um escolhe o “melhor lance”, com base na sua própria experiência, capacidade analítica e até mesmo caráter. Nem mesmo, a possibilidade do emprego de computadores, para análise, parece séria no presente (1993), uma vez que ainda não foi encontrado um algoritmo definitivo da partida de Xadrez e, não há programa algum, capaz de lidar confiavelmente, com suas complicações múltiplas. E por que falar a respeito de detalhes, posições e estágios da partida, quando nem mesmo há uma resposta para a pergunta: “o que é o Xadrez? Um esporte, uma arte ou uma ciência?” Alguns dirão: “os jogadores de xadrez participam de torneios e disputam partidas, lutam para vencer e o resultado é importante para eles - o que significa que o Xadrez é um esporte. Ele desenvolve a força de vontade e ajuda as pessoas a se tornarem mais fortes.” E como pode alguém convencer outro da correção de opinião, daqueles que sempre se impressionam com a beleza das combinações e da lógica das táticas do Xadrez? Para estes, um engenhoso sacrifício de Dama, em uma partida perdida, é uma fonte de prazer, ao passo que uma partida monótona, forçada, os deixa indiferentes. Para estes, o Xadrez é uma arte capaz de trazer felicidade e de dar sentido aos momentos de lazer. Ao mesmo tempo, há também, muitos entusiastas capazes de passar noites em claro, resolvendo um problema do tipo: “Por que as pretas movem a Torre para a casa d8, em vez de mover o Cavalo, para a casa c6? Por que a posição das pretas é melhor?” Para estes, o Xadrez é principalmente uma ciência, baseada no raciocínio lógico. Eu gosto do Xadrez, pela versatilidade e pela multiplicidade. Foi a beleza e o brilhantismo dos golpes táticos, que me cativaram ainda na infância. Primeiro, admirando este brilhantismo, e depois, buscando-o nas minhas próprias partidas e, a seguir, tentando jogar bonito - tais foram os estágios do meu crescimento, como um prisioneiro da Arte do Xadrez. Mas depois veio à época, em que comecei a competir com outros, a tomar parte em torneio após torneio e, isto quer dizer que tive que começar a trilhar o caminho do Xadrez, como esporte. Eu ainda gosto de jogar bonito, mas não mais posso ser indiferente aos meus resultados; a se vou ganhar ou terminar nas últimas posições. Eu quero vencer; eu quero derrotar todos, mas quero fazê-lo com estilo, em um combate esportivo honesto. O ex-campeão mundial Mikhail Botvinnik, que eu considero meu professor, é um acadêmico do Xadrez, cujo trabalho ajudou-me a abordar o Xadrez Científico. Ele despertou em mim, o prazer de pesquisar e de resolver os inumeráveis problemas do jogo. A longo de meus preparativos para as competições e durante minhas análises de partidas abertas, de repente, percebi que estava tentando estudar meticulosa e metodicamente, com uma persistência típica de um pesquisador. Estou convencido de que minha afeição por todos estes aspectos do Xadrez irá contribuir para preservar a minha paixão, pelo resto de minha vida. Meus pais ensinaram-me a mover as peças, quando eu tinha cinco anos e eu fiquei fascinado. Um ano mais tarde, fui levado para um grupo de Xadrez, no Clube de Jovens Pioneiros, em Baku, onde imaginava-me em um reino de jogadores de Xadrez. Tornei-me incapaz de viver sem o Xadrez, desde então. Eu sempre gostei de atacar, desde a infância. Ainda gosto de jogar na ofensiva. Dediquei muito tempo para estudar os fundamentos, que parecem não ter nenhuma influência direta no jogo, mas que – estou convencido - são tão necessárias para um Grande Mestre, quanto para um amador, que queira melhorar seu jogo e obter agradáveis resultados em torneios. Para atingir o seu alto padrão de jogo, um Grande Mestre tem de gastar milhares de horas estudadas, centenas de partidas. Seu talento jamais se desenvolveria sem tamanho trabalho. Se você gosta de jogar Xadrez, mas não tem tempo para dedicar-se a um estudo independente, mas assim mesmo, quer derrotar seus amigos, você terá que gastar algumas dezenas de horas, debruçado sobre o tabuleiro.

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